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Solidão de Caio F: Solidão e Sobrevivência | Teatro

Um grito cortante, quase desesperado, contra um mundo que insiste em fechar os olhos à miséria da solidão humana

Solidão de Caio F

Solidão de Caio F: Solidão e Sobrevivência | Teatro


A dor existencial que atravessa as páginas de Caio Fernando Abreu não é um lamento doce e resignado, mas um grito cortante, quase desesperado, contra um mundo que insiste em fechar os olhos à miséria da solidão humana. "Solidão de Caio F.", o espetáculo que acontece em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, serve como uma dolorosa evocação dessa tragédia, transpondo para o palco os ecos de um autor que, mesmo depois de sua morte precoce, continua a martelar nas consciências daqueles que se atrevem a olhar para o abismo do nosso tempo.


A proposta de unir dois contos emblemáticos de Caio — "Uma praiazinha de areia bem clara, ali, na beira do sanga" e "Dama da Noite" — em um único espaço, um quarto que remete à tela famosa de Van Gogh, é, ao mesmo tempo, um convite à reflexão e um soco no estômago. O escritor e dramaturgo gaúcho, cuja obra reflete a brutalidade de um Brasil que sucumbiu aos golpes da ditadura, da censura moralista e da homofobia, aqui é resgatado de uma forma pungente, como se sua alma ainda flutuasse nas sombras daquilo que ele escreveu, pensou e viveu. A peça, dirigida por Alexandre Mello, expõe a irreversível dor de uma geração que se viu consumida pela Aids, sem o devido amparo e com uma ignorância política devastadora.


Os atores Hilton Vasconcellos e Rick Yates não são apenas intérpretes; eles são, ao mesmo tempo, autor e personagem, cérebro e coração de Caio F. Eles habitam um mesmo espaço, mas nunca se encontram. Cada um, à sua maneira, encarna a solidão que perpassa a obra do escritor, sendo dois lados de uma moeda que nunca cessou de girar. O jogo entre os dois transforma o palco em uma arena de silêncios ensurdecedores, onde o amor, a dor e o medo se entrelaçam numa trama que denuncia a imensa tragédia de estar vivo e só, à mercê de uma sociedade que nunca aceitou a fragilidade humana como parte de sua condição.


Mas talvez o aspecto mais feroz e atual dessa produção seja o olhar que ela lança sobre os anos 1980 e 1990, quando a epidemia de Aids se espalhava como um veneno invisível, ao mesmo tempo que o Brasil vivia a decadência das artes e da cultura. Em seus textos, Caio F. não só descreve os horrores dessa época, mas também denuncia a ignorância, o preconceito e a covardia dos que usavam o sofrimento coletivo para reforçar o ódio e a segregação.


A peça "Solidão de Caio F." é um manifesto contra o esquecimento e a invisibilidade. Nas cartas que o autor escreveu entre 1987 e 1990, podemos sentir a angústia de alguém que se via no epicentro de uma epidemia que, além de ceifar vidas, também impunha uma solidão ainda mais devastadora: a de ser rejeitado pela própria sociedade. E é isso que transparece com uma clareza brutal na encenação: Caio F. é a voz dos que não têm voz, dos que tentam resistir e se encontrar em meio ao caos.


Por fim, a obra de Caio Fernando Abreu, como um espelho, reflete o que a sociedade tenta esconder, o que a história quer apagar. Os "anti-heróis urbanos", como os define Alexandre Mello, são a verdadeira face da modernidade, daqueles que, no jogo cruel da vida, não encontram o amor, mas se afundam em suas próprias dores e frustrações. E, no entanto, são esses personagens — solitários, vulneráveis, incompletos — que, paradoxalmente, nos ensinam a ver o que é humano. A verdadeira coragem, como Caio nos mostrou, é sobreviver à dor de estar vivo e continuar buscando, ainda que de forma insustentável, um pouco de luz em meio à escuridão.


Por Paulo Sales



Ficha técnica:

Texto: Hilton Vasconcellos, a partir da obra de Caio Fernando Abreu

Direção, iluminação e trilha sonora: Alexandre Mello

Assistência de direção: Tiago Abreu

Preparação corporal e coreografia: Filipe Peccini

Atores: Hilton Vasconcellos e Rick Yates

Produção: Ateliê Alexandre Mello

Figurinos: Ticiana Passos

Cenário: Pedro César Lima

Assessoria de imprensa: Rachel Almeida (Racca Comunicação)

Fotógrafo: Felipe O’Neill

Programação Visual: Patrícia Heuser

Cenotécnico: Renato Darin

Eletricista: Boyjorge

Apoio: Usina D’Arte produções artísticas


Serviço:

Espetáculo: Solidão de Caio F

Temporada: 29 de novembro a 22 de dezembro de 2024

Ateliê Alexandre Mello: Rua Alice, 1.658/201 - Laranjeiras

Dias e horários: sexta e sábado às 20h30 e domingo, às 19h30. A casa abre 30 minutos antes das sessões e o bar funciona antes e depois do espetáculo.

Ingressos: 50 (inteira) e 25 (meia-entrada).

Capacidade: 25 pessoas

Duração: 55 minutos

Classificação etária: 12 anos

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