Meu Remédio: A Comédia Terapêutica de Mouhamed Harfouch | Teatro | Crítica
- circuitogeral
- há 5 dias
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Um espetáculo que funciona como sessão terapêutica compartilhada: acolhe, provoca, diverte e cura um pouco

PONTOS POSITIVOS (ou virtudes cênicas que merecem alta da terapia):
1. Autenticidade autorreferente como catarse
O espetáculo transforma traumas e estigmas em matéria-prima cômica. É quase um exercício de psicodrama teatral, onde Mouhamed ressignifica vivências pessoais com leveza e coragem. A comédia vira antídoto contra o preconceito e o rótulo.
Diagnóstico terapêutico: Autoaceitação e resiliência. O palco é consultório e confessionário.
2. Multifuncionalidade do ator
Mouhamed não atua, ele transborda. Canta, toca, representa, viaja no tempo... tudo com domínio e entrega. É como um paciente que já passou por várias sessões e agora conduz o próprio processo terapêutico com autonomia e criatividade.
Diagnóstico terapêutico: Alta performance emocional e técnica — com direito a aplauso coletivo no final da sessão.
3. Direção sensível e precisa (João Fonseca)
A direção funciona como aquele terapeuta que sabe a hora certa de intervir e a hora certa de apenas ouvir. Nada é excessivo. João dosa a leveza e a profundidade com habilidade.
Diagnóstico terapêutico: Excelente escuta ativa. Tem clareza de linguagem e espaço para o espontâneo.
4. Cenografia simbólica (Nello Marrese)
O baú cênico é mais que um objeto: é metáfora viva da memória e do inconsciente. Cada item ali parece ter sido retirado diretamente do "porão da psique" do ator.
Diagnóstico terapêutico: Objeto transicional poderoso. Um verdadeiro arquétipo freudiano com estética contemporânea.
5. Iluminação afetiva (Dani Sanchez)
A luz tem personalidade, emoção. Ela não apenas revela, mas conversa com a narrativa. Em alguns momentos, parece até acolher o ator.
Diagnóstico terapêutico: Empatia luminotécnica. Uma iluminação que faz escuta afetiva.
6. Figurinos com fluidez simbólica (Ney Madeira e Dani Vidal)
A troca de figurinos acompanha as camadas de identidade do protagonista. Uma estética que respeita a ancestralidade sem cair na caricatura.
Diagnóstico terapêutico: Integração identitária. O figurino como espelho da trajetória emocional.
7. Temática universal embalada em humor
Apesar de profundamente pessoal, o espetáculo toca em temas que pertencem a todos: nome, pertencimento, origem, afeto. E tudo isso sem perder o timing do riso.
Diagnóstico terapêutico: Terapia coletiva disfarçada de stand-up. Uma sessão em grupo onde todo mundo sai mais leve.
PONTOS A DESENVOLVER (ou questões ainda em processo):
1. Ritmo narrativo em alguns trechos
Há momentos em que a narrativa se estende um pouco além do necessário, o que pode provocar uma leve dispersão. É como numa sessão onde o paciente se repete demais antes de acessar o ponto central.
Indicação terapêutica: Podar o excesso para fortalecer o essencial. Foco e concisão podem potencializar a entrega emocional.
2. Dependência da referência pessoal
O espetáculo exige do público uma certa empatia cultural e emocional com o universo de Mouhamed. Quem não compartilha algumas dessas referências pode se sentir levemente deslocado.
Indicação terapêutica: Abrir janelas mais universais no roteiro para garantir maior acessibilidade afetiva.
3. Transições entre cenas e tempos
Em alguns momentos, as transições entre passado e presente, real e imaginário, poderiam ser mais sutis ou melhor marcadas. Há lapsos em que a linha narrativa parece flutuar sem ancoragem clara.
Indicação terapêutica: Trabalhar melhor os "gatilhos de cena" como âncoras temporais. Uma costura mais firme entre os recortes de memória.
Por Paulo Sales

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