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Meu Remédio: A Comédia Terapêutica de Mouhamed Harfouch | Teatro | Crítica

Um espetáculo que funciona como sessão terapêutica compartilhada: acolhe, provoca, diverte e cura um pouco

Meu Remédio

PONTOS POSITIVOS (ou virtudes cênicas que merecem alta da terapia):


1. Autenticidade autorreferente como catarse

O espetáculo transforma traumas e estigmas em matéria-prima cômica. É quase um exercício de psicodrama teatral, onde Mouhamed ressignifica vivências pessoais com leveza e coragem. A comédia vira antídoto contra o preconceito e o rótulo.

Diagnóstico terapêutico: Autoaceitação e resiliência. O palco é consultório e confessionário.



2. Multifuncionalidade do ator

Mouhamed não atua, ele transborda. Canta, toca, representa, viaja no tempo... tudo com domínio e entrega. É como um paciente que já passou por várias sessões e agora conduz o próprio processo terapêutico com autonomia e criatividade.

Diagnóstico terapêutico: Alta performance emocional e técnica — com direito a aplauso coletivo no final da sessão.



3. Direção sensível e precisa (João Fonseca)

A direção funciona como aquele terapeuta que sabe a hora certa de intervir e a hora certa de apenas ouvir. Nada é excessivo. João dosa a leveza e a profundidade com habilidade.

Diagnóstico terapêutico: Excelente escuta ativa. Tem clareza de linguagem e espaço para o espontâneo.



4. Cenografia simbólica (Nello Marrese)

O baú cênico é mais que um objeto: é metáfora viva da memória e do inconsciente. Cada item ali parece ter sido retirado diretamente do "porão da psique" do ator.

Diagnóstico terapêutico: Objeto transicional poderoso. Um verdadeiro arquétipo freudiano com estética contemporânea.



5. Iluminação afetiva (Dani Sanchez)

A luz tem personalidade, emoção. Ela não apenas revela, mas conversa com a narrativa. Em alguns momentos, parece até acolher o ator.

Diagnóstico terapêutico: Empatia luminotécnica. Uma iluminação que faz escuta afetiva.



6. Figurinos com fluidez simbólica (Ney Madeira e Dani Vidal)

A troca de figurinos acompanha as camadas de identidade do protagonista. Uma estética que respeita a ancestralidade sem cair na caricatura.

Diagnóstico terapêutico: Integração identitária. O figurino como espelho da trajetória emocional.



7. Temática universal embalada em humor

Apesar de profundamente pessoal, o espetáculo toca em temas que pertencem a todos: nome, pertencimento, origem, afeto. E tudo isso sem perder o timing do riso.

Diagnóstico terapêutico: Terapia coletiva disfarçada de stand-up. Uma sessão em grupo onde todo mundo sai mais leve.



PONTOS A DESENVOLVER (ou questões ainda em processo):


1. Ritmo narrativo em alguns trechos

Há momentos em que a narrativa se estende um pouco além do necessário, o que pode provocar uma leve dispersão. É como numa sessão onde o paciente se repete demais antes de acessar o ponto central.

Indicação terapêutica: Podar o excesso para fortalecer o essencial. Foco e concisão podem potencializar a entrega emocional.



2. Dependência da referência pessoal

O espetáculo exige do público uma certa empatia cultural e emocional com o universo de Mouhamed. Quem não compartilha algumas dessas referências pode se sentir levemente deslocado.

Indicação terapêutica: Abrir janelas mais universais no roteiro para garantir maior acessibilidade afetiva.



3. Transições entre cenas e tempos

Em alguns momentos, as transições entre passado e presente, real e imaginário, poderiam ser mais sutis ou melhor marcadas. Há lapsos em que a linha narrativa parece flutuar sem ancoragem clara.

Indicação terapêutica: Trabalhar melhor os "gatilhos de cena" como âncoras temporais. Uma costura mais firme entre os recortes de memória.



Por Paulo Sales


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